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Entrevista com Oscar Niemeyer

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Luis Berríos-Negrón
Atelier Niemeyer . Rio de Janeiro
Janeiro de 2002

Entrevista Oscar Niemeyer
Entrevistador:Luis Berríos-Negrón
2 de janeiro de 2002
Atelier Niemeyer, Copacabana, Rio de Janeiro, Brasil

A MDC . revista de arquitetura e urbanismo, agradece à arquiteta Mariza Machado Coelho, que forneceu o vídeo da entrevista e ao arquiteto Luis Berríos-Negron, que autorizou a publicação e forneceu a transcrição em inglês.

Nota do autor:

Essa entrevista aconteceu enquanto eu era estudante de Belas Artes da Parsons School of Design em Nova York . Foi possibilitada por Mariza e Veveco Hardy, que colaboravam com Niemeyer à época. Foi marcada antes dos eventos de 11 de setembro acontecerem, e quando o 11 de setembro ocorreu, a perda de vidas foi aterrorizante. Eu também fiquei horrorizado com o tipo de ódio que um prédio como ícone pode gerar. Eu fiquei profundamente confuso sobre o papel da Arquitetura. Eu precisava de respostas… Nenhuma veio, apenas mais confusão. Um dos atributos da confusão foi que, já em Outubro, houve uma “exposição” das propostas para o Marco Zero na Max Protech Gallery no distrito da arte de Chelsea, em Nova York. Muitos starchitects enviaram propostas. Eu vi a mostra. Eu não era capaz de entender o quão rápido aquilo ocorrera. Ao ser informado pelos Hardys que eu teria a chance de conhecer e questionar o provavelmente mais experiente arquiteto vivo, eu já estaria fazendo meu melhor por não tentar fazer uma entrevista, mas apenas procurar por respostas pessoais, para ver se a sabedoria de Niemeyer me tocaria. No final não foi apenas sua sabedoria que calou fundo em mim, mas com certeza sua paciência, humildade, humor e experiência que indubitavelmente mudaram minha vida para sempre somente por explicar, como só Dr. Oscar poderia, que era muito cedo para propor qualquer coisa para o Marco Zero.

Imediatamente após meu retorno a Nova York, eu me matriculei em uma disciplina de projeto que tinha por tema o Marco Zero, lecionada por Bill Sharples da SHoP architects. E foi durante este semestre onde eu pratiquei resistência pela primeira vez, e apesar da possibilidade de falhar por não produzir “um prédio”, eu atendi o conselho de Niemeyer. Meu esforço resultou não em um prédio, mas em uma análise ambiental e cultural do local, que informou uma serie de diagramas programáticos para a Geo and Bio Ethics University na Lower Manhattan. Este programa estava estritamente baseado na ideia da paciência, tempo, respeito e consideração que não estava exatamente no currículo da minha educação arquitetônica. É uma ideia, especialmente no contexto das mudanças climáticas, das bolhas imobiliárias e da gananciosa desestabilização neoliberal dos mercados e de sociedades inteiras, que até hoje ainda é o toque do tambor que dá ritmo ao meu trabalho. Por isso, e por seu imenso legado construído e social, eu serei eternamente grato a Niemeyer e a Veveco.

Entrevista Oscar Niemeyer

Em Dezembro de 2001, estava eu sentado no novo terminal 4 do aeroporto JFK em Nova York, prestes a embarcar em um avião para o Brasil. O stress das condições da viagem são graciosamente diminuídas pela grande luz do móbile de Alexander Calder… serenando-me, lembrando-me da razão para este voo: Oscar Niemeyer. Eu me concentro no móbile de Calder e sinto a gravidade zero, uma escala atemporal. Sentimentos que Niemeyer também havia me provocado enquanto eu navegava em obra, uma licença maleável para sonhar com a qual ele nos premiou décadas atrás. Então me ocorreu: o que eu iria perguntar, dizer, para Niemeyer? Como eu poderia, um inexperiente estudante-arquiteto conectar com essa lenda viva de 94 anos, comunista, associado relutante de Le Corbusier, e contemporâneo de grandezas como Lloyd Wright, Gropius, Tange, Van der Rohe, Sartre? Anos-luz de informações existem entre nós. Como poderíamos eliminar aquela distância?

Oscar Niemeyer é brasileiro, carioca para ser exato. Ele nasceu com o modernismo. Aos 33 anos ele construiu sua primeira grande comissão, diversos construções de lazer em torno da Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte, onde sua capela de São Francisco fica localizada. Aos 40, ele participou de um concurso de projetos contra os mais renomados arquitetos do mundo, Le Corbusier sendo um dos concorrentes, para a sede das Nações Unidas na cidade de Nova York. Ele foi premiado e, apesar do desentendimento com Le Corbusier, ele aceitou o premio e foi em frente com sua construção, feita em 1953. De 1955 até 1960, ele, junto a seu mentor, o urbanista Lucio Costa, projetaram e construíram a nova capital do Brasil, Brasília. Durante a década de 60 e 70 Niemeyer é ameaçado e perseguido pela ditadura militar. O principal engenheiro de Brasília, e bom amigo de Niemeyer, Joaquim Cardozo, foi julgado e processado por “incompetência”, por seu papel na construção da nova capital. Niemeyer foi forçado a procurar asilo político na Europa por quase duas décadas. Durante esses anos, é até hoje, ele continua a construir em 5 continentes, com dezenas de trabalhos transcendentais em sua obra.

Ele é criticado por Brasília não ter funcionado. Niemeyer escreveu – “Espero que Brasília seja uma cidade de homens felizes: homens que sintam a vida em toda sua plenitude, em toda sua fragilidade; homens que compreendam o valor das coisas simples e puras: um gesto, uma palavra de afeto e solidariedade.” Talvez Niemeyer dependesse da humanidade…

Cercado pelo inebriante espírito do Rio, e com a minha vaga versão em Espanhol do Português, sou recebido com cordialidade e simpatia contagiante pelo Sr. Niemeyer (ou Dr. Niemeyer, como ele é chamado por lá).

Luis Berríos-Negrón: Em nome do departamento de arquitetura da Parsons School of Design, o nosso mais sincero agradecimento por essa oportunidade.

Luis Berríos-Negrón: Sei que o senhor estará se reunindo essa semana com membros da imprensa francesa. Porque o senhor acha que, aos 94 anos, o senhor é tão aclamado?
Oscar Niemeyer: Não vejo razão não (risos). Sou um homem comum como todos os outros.

LBN: Como escrevi em uma carta ao senhor, temos um grande desejo de escutar a sua opinião sobre esse período histórico de mudança e conflito. Especificamente, o 11 de setembro instigou mudanças dramáticas de percepção a nível local e global. Para muitos de nós que estivemos a metros da tragédia ficou um sentimento de angústia e desilusão. Muitos estudantes de Arquitetura estão preocupados com a relevância da profissão, considerando a profundidade de políticas ocultas que algumas vezes causam essas reações radicais de nossos camaradas do outro lado do mundo. Com isto em mente, o senhor visualiza uma nova função ou responsabilidade para a Arquitetura? Para o estudante, para o profissional, para as pessoas?
ON: Eu sempre digo aos estudantes que não basta sair da escola como ótimo profissional. O importante é que ele se informe dos problemas do mundo e da vida, de modo a poderem participar dignamente, igual ocorre pelo mundo afora. Por isso quando eu estive na Universidade Algiers, -e propus um programa para a escola de Arquitetura- eu propunha que, além do curso normal de Arquitetura, houvesse paralelamente conferências sobre política, sobre sociologia, sobre literatura, sobre filosofia, de modo que o estudante saísse pra vida, como eu disse, apto a viver decentemente e se manifestar. De modo que a minha opinião é essa. Eu passei a vida debruçado na mesa de desenho, mas eu acho que a vida é muito mais importante que a Arquitetura.

LBN: O senhor acha que o arranha-céu ainda tem o seu lugar no expansivo mundo do neoliberalismo, depois do que aconteceu com o World Trade Center?
ON: Eu acho que o urbanismo tem diversas opções. Ele pode ser horizontal, pode ser vertical. Qualquer solução pode ser boa. Eu acho que o arquiteto deve ter sensibilidade para procurar ser útil para a comunidade e o urbanismo deve ser uma solução, solução que vise a proteção do homem, do trabalho. Eu acho que a Arquitetura mudou muito. Eu acho que, depois do concreto armado, qualquer outro tipo de arquitetura não interessa mais. No passado, por exemplo em Roma, eles fizeram uma cúpula de 35 metros de diâmetro. Ontem nós fizemos um desenho aqui de uma cúpula com 70 metros e 20 cm de espessura. Então a técnica mudou. Depois do concreto armado, é a técnica do concreto armado que prevalece. É o espaço com que o arquiteto vai ter que lidar para entender as funções da sociedade moderna. De modo que acho que cada arquiteto deve fazer a sua arquitetura. Eu não acredito em uma arquitetura que sirva a todos, que seja uma arquitetura ideal. Seria a repetição, monotonia. Eu acho que o arquiteto, dentro das suas possibilidades, deve procurar o seu trabalho. Eu acredito na intuição. Eu faço o meu trabalho, eu procuro uma arquitetura mais leve, quando o tema permite, baseada na técnica mais apurada. Eu não critico os colegas, acho que cada um deve fazer o seu trabalho. Agora eu sigo a minha intuição com toda liberdade. Tem muito livro aí escrito sobre o meu trabalho. Eu não li nada, eu não quero influências. Eu não tive influência nenhuma. Eu trabalhei com o Corbusier, mas o meu primeiro trabalho, Pampulha, era tão diferente do que se fazia, que prova que eu não estava interessado. Eu quero fazer o meu trabalho do meu jeito. Essa é a minha posição na Arquitetura. Acho que deve haver esse entendimento e cada um aceitar o que o outro faz com simplicidade.

LBN: O senhor tem alguma sugestão para a área onde antes estava o World Trade Center?
ON: Não, não tenho. Querem fazer uma exposição em Nova York. Uma exposição de estudos sobre essas torres. E mandaram pedir para eu dar minha opinião também nos croquis. Eu não quis fazer. Eu acho que nós entramos em um momento dos piores da vida dos homens. Um momento de violência. A gente não pode dizer que as torres, por exemplo, foi um ato de terrorismo, mas invasões, bombardeiros, também são um ato de terrorismo. Quando começaram os bombardeiros contra o Saddam já era um ato de terrorismo. Acho que existe uma confusão, uma coisa toda errada. Eu acho que o mundo esta num momento em que a gente não sabe aonde vai parar.
Nós fizemos um curso de sete dias sobre Arquitetura. Então eu falei, dei a minha aula, o meu colega que é engenheiro calculista deu a dele e nós chamamos outros amigos. Um falou sobre Literatura, o outro falou sobre Filosofia e o outro falou sobre o mundo atual. Eu me lembro quando ele acabou de falar, eu perguntei a ele: “o que você acha que vai acontecer?” Ele disse: “Eu to assustado.” E a gente, a gente mesmo, o homem deve estar hoje assustado. Sem saber pra onde isso vai. Porque é uma violência como nunca houve. Está se expandido pelo mundo árabe todo, daqui a pouco pode abrir outros movimentos também de terrorismo.
De modo que é um momento negro da vida dos homens, eu acho horrível que tenha acontecido. Você veja: quando derrubaram as torres foi horrível aquilo, muito sério, as mortes que causou. Mas também estão derrubando as cidades lá do mundo árabe, matando gente que não tem nada que ver com isso. Outro dia, num bombardeio, morreram mais de cem pessoas. De modo que há um clima de coisa que parece maluquice, em a gente não sabe onde é que vai parar. Eu acho o pior momento que nós estamos vivendo.

LBN: Por isso nós, estudantes, estávamos desejosos de falar com você… Porque nós estamos deprimidos e preocupados…
ON: Eu acho que a vida é um minuto não é? Então vale a pena vivê-la melhor, de mãos dadas, fraternais. A vida não é tão importante assim, é uma coisa à toa. Então a gente tem que viver bem, botar de lado. Eu quando olho pra uma pessoa, quando eu lido com uma pessoa, eu penso sempre que ela deve ter um lado bom. E se não tem, é uma surpresa. Talvez a genética explique. Mas eu acho horrível a gente ver o mundo assim como se fôssemos inimigos uns dos outros, afinal árabes, americanos, europeus, são todos irmãos. Porque essa miséria, porque esse ódio? Eu andei no mundo árabe, num mundo atrasado. Eu fui até a Arábia Saudita, é completamente fora da civilização. Eu estive nos Estados Unidos, somando dá mais ou menos 2 anos, eu gostei. Quando cheguei nos Estados Unidos foi quando estava para estourar a guerra e eu vi o povo americano pulando na rua, os estudantes, dizendo ‘up democracy, down fascism’, foi um momento de entusiasmo contra o mundo pior que eles queriam criar. Mas isso passou. Agora esta uma confusão: eu não gosto do Bin Laden, mas também não gosto do Bush.

LBN: Olhando para Brasília depois de meio século, e considerando a proliferação de elites, das comunidades fechadas, como as Alphavilles em São Paulo, o senhor acha que Arquitetura e Urbanismo tem a capacidade de facilitar mobilidade social?
ON: Eu acho que o homem é que mexe nas coisas. Por exemplo, a Argentina agora, num momento de entusiasmo, vê que o povo saiu pra rua e mudou o governo. Isso precisava acontecer no Brasil. A vida brasileira não está boa também, não. Venderam o país. Mas isso é muito complexo não é? Eu não sou um especialista político, eu sou um simples arquiteto. Mas eu me interesso, acho que o arquiteto precisa ver, e tenho a minha opinião, opinião pequena de arquiteto. Mas digo, protesto, passei a vida protestando, porque a gente quer um mundo melhor, a gente quer um mundo mais justo, todos de mãos dadas, isso que a gente quer.

LBN: Em um recente artigo de sua obra Pampulha na revista Wallpaper, nos Estados Unidos, o senhor falava que suas obras públicas são para criar espaços para todos. O Sambódromo é um projeto satisfatório no ponto de vista sociopolítico?
ON: O carnaval é a distração do povo não é? O povo é gente mais pobre que vive nas favelas. Quando vem o carnaval eles juntam dinheiro para se fantasiar, pra ir dançar lá no sambódromo. Eles são inocentes, eles não sabem que estão ali distraindo justamente a burguesia que oprimia eles o ano inteiro. E ali batem palma e no dia seguinte estão todos uns contra os outros outra vez. A vida é muito perversa.

LBN: Qual seria o seu projeto mais satisfatório para você?
ON: Eu fiz projetos tão diversos… Se você for ver o meu trabalho, você vai ver que eu não fiz apartamentos, não fiz escritórios. Eu fiz museus, teatros, projetos que pedem muito mais trabalho de imaginação. E é isso que eu gosto de fazer. Não gosto de residência. Eu sei que é importante, mas é difícil lidar com os proprietários né? Eu fiz uma casa pra um sujeito em Brasília. A casa era boa. Quando ficou pronta, ele queria mostrar a casa pra mim, eu fui, cheguei antes dele e a mulher dele que me esperou na entrada. Uma senhora simpática, e disse – “Dr. Niemeyer, essa casa mudou a vida da gente. Eu gostei tanto da casa que eu fiz a decoração”. (risos). Eu disse: “eu to frito”. E foi o que aconteceu. Quando eu entrei não tinha mais nada da arquitetura. De modo que a arquitetura não é só o prédio por fora, é também o interior, e isso é difícil a gente conseguir. A arquitetura é o espaço que envolve a arquitetura.
Agora eu acho o seguinte, eu faço uma arquitetura que me agrada. Quando o tema permite, eu especulo na técnica, eu convoco meu engenheiro, a gente pensa em utilizar… Por exemplo, eu fiz um prédio agora em Brasília, um prédio governamental. Ele é grande, e você chega embaixo dele, e só tem o apoio central, ele parece que está solto no ar. Então essa coluna sobe, com os elevadores, e as vigas de cima sustentam com tirantes todos os andares. É uma demonstração de técnica, está ajudando a Arquitetura a evoluir. E o presidente passou lá, e disse -“ah, porque esse prédio tão luxuoso?” Ele não compreendeu. Quando eu faço o prédio público, como esse, eu imagino que o sujeito mais pobre que vai lá, que vê o prédio, e não vai usufruir nada desse prédio (os outros é que vão ganhar dinheiro) ele pelo menos tem aquele momento de prazer, de ver uma coisa diferente, de indagar: “o que é isso?. De modo que a Arquitetura é cheia de segredos. A gente quer ver o espetáculo. Por exemplo, a Catedral de Brasília, quem olha e não conhece pensa que é muito complicado de fazer. Foi muito simples. Nós construímos as colunas no chão, pré-fabricadas, e suspendemos. Está pronta a Catedral!

LBN: O senhor provavelmente esta cansado de escutar pergunta sobre a seguinte citação de Le Corbusier que diz: “Oscar, você faz o Barroco em concreto armado, mas faz bem.”
ON: De Corbusier, a única influencia que eu tive, foi no dia em que ele me disse: “Arquitetura é invenção.” Quer dizer, eu procuro fazer uma arquitetura, que tenha qualquer coisa diferente, e crie surpresa, e isso é importante. Minha Arquitetura é muito diferente da dele. Ele cria uma coisa mais pesada, ele não especulava muito na técnica. Se você vir Chandigarh, tem coluna por todo lado. Ele podia diminuir aquilo e ter só a metade das colunas, muito menos da metade. Mas com certeza ele queria aquele aspecto, um pouco egípcio, das colunas. De modo que a gente não tem que criticar nada, cada um faz o que quer.

LBN: Arquitetura hoje esta em um estado de Rococó?
ON: Não sei. Cada um faz o que quer. Outro dia veio aqui me visitar, o Bofill. O Bofill é o que faz pós-moderno, e ele veio, ele é simpático. Eu faço Arquitetura diferente da dele, tudo bem, não vou criticar o que ele faz.

LBN: Qual foi a sua intervenção política mais importante?
ON: Eu entrei no partido, eu militei no partido, eu fui proibido de entrar nos Estados Unidos durante 20 anos porque eu era comunista. Eu continuei com as minhas ideias. Eu acho que o comunismo é uma ideia que está no ar. Que visa a confraternização dos homens. O que ocorreu na União Soviética um dia vai se modificar. O que os soviéticos querem é o que eles tinham antigamente. É o apoio governamental, era a casa, era a alimentação, era a medicina. Eu acho que o capitalismo está em decadência. Os Estados Unidos vão entrar em crise um dia. Pode demorar, o Império Romano levou 300 anos para acabar. Pode demorar muito tempo, esse clima do poder assim, da intervenção desmedida: até intervir nos outros países. Isso um dia vai acabar. A gente não sabe como.
Eu acho que o homem deve olhar para o céu e ver como ele é pequenino, não tem a menor importância. Então os sujeitos estão ai querendo aparecer. Outro dia um jornalista me perguntou -“Mas o seu trabalho vai ficar pros outros verem, muita gente vai ver depois que você morrer, vão gostar”. Eu disse, mas vocês vão morrer também. -“Mas os outros vão ver”. Mas os outros vão morrer também. Tudo vai acabar. Por isso que eu acho que o homem deve estar ligado (não é uma posição pessimista, que não tem sentido), tem que estar dentro da realidade.

LBN: “Corbu” intitula, em lngês, um de seus livros: “Towards in new architecture”, (Em direção a uma nova Arquitetura). Nós ainda estamos nos movendo?
ON: O que muda a Arquitetura é a evolução social, é a evolução da técnica. Isso é que muda a Arquitetura. O dia que aparece um material diferente. Hoje é o concreto armado que domina, o sujeito queira ou não queira, é o concreto armado que permite uma Arquitetura mais livre. Quando eu termino uma estrutura, a arquitetura já está ali. Porque eu procuro fazer uma coisa muito simples, não tem nenhum apoio que depois vai desaparecer no meio das alvenarias. Mas a estrutura metálica, quando você termina uma estrutura, é uma confusão, você não sabe o que vem depois. De modo que eu prefiro trabalhar com o concreto armado, acabou uma estrutura é aquilo, o resto é acabamento. Agora, se vier um material novo, uma estrutura de vidro, outra coisa qualquer, aí a Arquitetura pode mudar. No dia em que nós estivermos no regime socialista, a Arquitetura brasileira vai mudar. Porque a nossa Arquitetura hoje só serve pra quem tem dinheiro. Os pobres estão trepados na favela. Num regime mais popular, vão mudar os temas da Arquitetura. E eles serão naturalmente mais importantes, mais generosos, e eles vão se dirigir ao povo mesmo, aos problemas populares.

LBN: O que o senhor quer dizer com “O arquiteto deve nascer como arquiteto, assim como o pintor deve nascer como pintor”?
ON: Eu acho que nesse setor das Artes tem que haver intuição. O sujeito não aprende Arquitetura, o sujeito vai pra uma escola. Se ele tiver talento ele pode fazer uma arquitetura diferente. Senão, ele pode ser útil, ele faz uma arquitetura normal, indispensável para a vida, essa coisa toda. É feito com uma criança: eu acho que deve-se proteger a intuição. Uma criança com 8 anos às vezes faz um desenho fantástico. Se você ampliar sai um mural extraordinário. Depois que ela vai para a escola, que conhece os mestres, aí cai na rotina. É a coisa já cheia de regras. De modo que o ensino da Arquitetura também devia dar ao estudante mais liberdade. Eu conheci muito desenhista melhor arquiteto do que arquiteto. Corbusier nunca frequentou uma escola de Arquitetura. Ele tinha uma ideia de Arquitetura. Ele saiu do escritório que ele trabalhava, e saiu desenhando o que ele gostava e tal, e fez a sua Arquitetura. De modo que eu acho que o importante é a intuição, quando não há intuição é mediocridade. E por isso que é muito difícil ter unidade na Arquitetura. Você vai a Brasília hoje e é péssimo, aquelas ruas, a arquitetura medíocre, confusa… Que se pode fazer? Você vai ao Rio de Janeiro e se pergunta: “o que estão fazendo aqui”? Eu fico envergonhado. Levam você pra Barra, que é uma merda. A Barra é Miami, subúrbio de Miami. Em qualquer cidade moderna para você ver um prédio bom, você tem que saber o endereço. Porque em geral não tem unidade, é confuso… Mas é assim, o que se vai fazer?

LBN: Hoje em dia se nota um aumento no número de arquitetos emigrando para outras disciplinas…
ON: É comum. Eu tenho amigos meus, por exemplo, muito amigos, feito o Chico Buarque e o Tom Jobim. Eles cursaram Arquitetura até o terceiro ano, e depois largaram. Foi nesse sentido que eu fiz a Universidade de Constantine. A Universidade de Constantine é um dos trabalhos de que eu gosto mais. Quando eu fiz aquela universidade, o programa que eles tinham era para vinte prédios. Nós fizemos sete. Nós fizemos o edifício de classes, onde têm auditórios, essas coisas. Fiz um edifício de ciências, tem uma biblioteca, restaurante, o auditório. E qualquer faculdade nova não precisa de um edifício. Usa o prédio de ciência e o prédio de classes. (telefone toca).

LBN: Recentemente tem surgido um interesse no trabalho dos neo-vitalistas, como Kenzo Tange – que eu sei que você conhece. Isto dentro do campo do desenho sustentável ou ecológico. O seu vernáculo tropical é sustentável?
ON: Eu quando tenho um projeto pra fazer, eu penso no projeto. Às vezes a solução vem de repente, até sem pegar no lápis. Eu, por exemplo, estava em Alger e tinha que fazer a mesquita. Fiquei de noite pensando na mesquita, levantei e desenhei. Outras vezes, me obrigo a pensar… O Museu de Niterói por exemplo, era simples, tinha um braço de terra, em volta era o mar. Tinha um apoio vertical e surgiu a arquitetura. Quando eu faço o projeto, e tenho uma ideia, eu faço o texto explicativo. Então eu escrevo como é que eu vejo o projeto. Se eu não tenho argumentos, eu volto à prancheta. Se tenho, aí eu começo a trabalhar.
O projeto varia muito. Primeiro, do espaço em volta, da ideia de criar uma coisa nova. Por exemplo, o Mondadori, que era o dono da editora Mondadori de Milão, veio me procurar. Ele tinha estado em Brasília, e ele queria fazer um prédio em Milão que tivesse as colunas de Brasília, a colunata. Eu disse: “está bem, eu faço.”– mas eu fiz diferente. Eu fiz as colunas sustentando as vigas do teto, que por sua vez sustentavam os andares. Então eram colunas muito mais fortes. Eu queria variar a colunata.
Num período da renascença italiana, se você examinar, você vai ver que eles se preocupavam, naquela época, eles ainda se preocupavam com as colunas gregas. Você vai ver os trabalhos daqueles arquitetos italianos, e os prédios estão cheios de coluninhas. Eles discutiam a parte de cima das colunas variando. Eles não tinha coragem de fazer coisa diferente. Na Mondadori, em que eu queria mexer nas colunatas, eu mexi no espaço. Porque o espaço faz parte da Arquitetura. Em vez de eu fazer colunas com espaços iguais eu fiz com quinze metros, três metros, cinco metros. Então eu mudei o tipo de colunata. Eu nunca vi antes uma colunata assim, com espaços diferentes. Então é uma novidade. Isso é que, a meu ver, é Arquitetura.
Agora, quando eu tenho um tema, eu procuro estudar. Tenho uma ideia, e às vezes a coisa é rápida, outras vezes é complicada. Por exemplo, eu fiz um prédio em São Paulo, uma cúpula. Ela ficou entregue aos militares a vida inteira. Agora recuperaram a cúpula, a cúpula é bonita. As grandes exposições em São Paulo agora são feitas nessa cúpula. Eu fiz essa cúpula há 40 anos atrás. Ela tem umas sobrelojas, que encostam assim na cúpula e deixam espaços vazios. Agora o Pompidou está fazendo uma exposição em São Paulo. Está fazendo nessa cúpula, que eu fiz há 40 anos atrás.
Agora eu fiz um museu, que eu tinha feito um projeto para o Paraná, que era uma escola. Era uma escola em pilotis. Ela tinha 200 metros de comprimento e 40 de largura. Mas quando eu vi a escola agora, 40 anos depois, eu fiquei surpreso. Porque é bonita. Ela é toda fechada, a iluminação é por cima, zenital. Então os espaços de colunas, tem espaço de 60 metros, feito há 40 anos atrás, entre uma coluna e outra. Então o diretor, com o prefeito, resolveu fazer um museu, e pensou que nesse prédio ele podia ter tudo que um museu precisa: cursos, auditórios, tudo que o museu mais moderno precisa chegava nesse prédio. Faltava então fazer um salão de exposições. E ele queria um salão de exposições que não escondesse o prédio, porque lá gostam muito desse prédio. Então eu fiz uma torre e fiz um salão no ar. De modo que a Arquitetura é isso, cada tema é diferente.
Agora me pediram um projeto pra São Paulo, não me lembro a cidade, e eu fiz o projeto. Então eles queriam um auditório pra 3000 pessoas e, além do auditório, uma arquibancada para 3000 pessoas também, para voleibol, basquetebol. Mas eu não queria fazer duas coisas isoladas. Eu queria fazer um prédio que tivesse o auditório, com todo o conforto que auditório deve ter –som, aquilo tudo– as salas necessárias para encontros, congressos, e, ao mesmo tempo, no mesmo prédio, a arquibancada. Duas coisas no mesmo prédio, mas independentes. E assim sobrava mais espaço. E eu fiz. Então é um prédio diferente que, eu imagino, você nunca viu. Tem um auditório moderno, pra 3000 pessoas, e uma arquibancada para voleibol e basquetebol, para jogos especiais. Então sai um prédio diferente. Porque o programa é que leva a gente a uma solução. Eu vou mostrar pra vocês uma maquete de trabalho, maquete muito simples, mas que já dá ideia do se vai fazer, e vou mostrar a outra maquete desse prédio lá do Paraná, que já começou. Porque o prefeito veio aqui e ficou tão espantado com o prédio que viu que era bom, pra ele, pra construir lá. Ele achava que o tal bloco ficava solto na cidade. Então já começou a obra. Mas o arquiteto não escolhe os assuntos. Os assuntos aparecem, e a gente faz.

LBN: Como o senhor se sente ao ser citado como o outro comunista que existe no mundo, sendo que Fidel Castro é o outro?
ON: Ah, Fidel Castro é uma figura fantástica. Está ali ao lado dos Estados Unidos desafiando o poder americano. O Bush está querendo invadir, mas não tem coragem. Seria ruim demais pra humanidade. Fidel transformou, ele vive lá de braços dados com o povo, é um país fantástico, não tem miséria, são todos amigos. Quando vem um cubano aqui eu fico espantado, não tem analfabeto lá, eles tem uma noção da vida, dos direitos. É um exemplo para a humanidade.

LBN: O que o senhor pensa que vai acontecer com a solidariedade e o comunismo?
ON: Acho que o que houve na União Soviética foi um acidente de percurso. A coisa vai mudar. Porque o comunismo é a ideia que está no ar. Pode ter outro nome, até. Mas a ideia é de que os homens possam ser iguais, vivam iguais, em meio às possibilidades, ninguém pode ser contra isso. Só tarado, não é?

LBN: Para um ateu, o senhor tem um imenso dom para condicionamento espiritual. Como o senhor se conecta com essas sensibilidades em sua obra eclesiástica?
ON: Eu era de família católica. Eu me lembro que, em casa…
Era uma família de fazendeiros. Meu avô veio para o Rio, era juiz de paz, depois foi ministro do Supremo Tribunal. Eu fui criado num ambiente assim: vinham uns políticos ficavam na casa, a casa era grande, e tinha uma sala de visitas, tinha umas seis janelas, minha avó abria, uma delas era o oratório, tinha missa em casa. Mas quando eu saí pra vida, a vida é injusta demais. De modo que o que se pode fazer é protestar. Eu tô [SIC] sempre ai protestando contra o que for preciso.

LBN: Alguns anos atrás, o senhor dividiu a sua vida em três partes: Pampulha, Brasília e a terceira, a Arquitetura mais perto da terra com vigas mais compridas. Você conseguiu nomear a terceira?
ON: Não, a arquitetura que eu faço é sempre a mesma. O que muda são os problemas, os assuntos que aparecem. Eu devia parar. Eu devia ter parado há muito tempo. Mas eu tenho gente que depende de mim, eu não posso nem morrer. Senão eu teria parado há muito mais tempo.

LBN: Qual o projeto que o senhor esta desenvolvendo atualmente?
ON: É esse projeto que eu estou dizendo. Eu tenho um projeto para a Noruega, uma casa e me interessa muito, porque é diferente de todas lá. Tem outro projeto na Itália…Aqui eu estou fazendo esse museu, em Niterói, estou fazendo o caminho Niemeyer que é lá em Niterói, e esse museu Paraná.
Tem o caminho Niemeyer que tem uma catedral, são diversos prédios. É um projeto que me interessa muito. Esses prédios são um conjunto na beira do mar, é um lugar que vai dar muito realce à arquitetura. No momento, eu tenho estudado os prédios, mas pensando que eles devem coincidir. Entre eles, deve ter um elemento plástico que liga e cria unidade do conjunto. É um trabalho que me interessa, mas que é difícil de andar porque é complicado…
Mas esses dois, esse museu e esse prédio, são os dois que estão me ocupando mais.

LBN: Há um interesse próprio de refletir ideias sociopolíticas através das liberdades plásticas e da estética gestual da sua obra?
ON: Não. A obra que eu faço é resolver o problema que vem às mãos. É convocar os artistas para trabalhar, tentar voltar àquela integridade das Artes, àquela ligação das Artes com a Arquitetura. Convoco os artistas. Esse projeto que eu estou fazendo em Niterói, por exemplo, não vai ter materiais caros, não. Eu não faço da minha Arquitetura propaganda de material, não. A parede lisa, branca. Agora, quando é possível, tem uma pintura, tem um desenho.

LBN: O autor marxista Hal Foster afirma: “A livre expressão de Gehry implica a falta de liberdade da nossa inibição. O que quer dizer que sua liberdade é na maioria uma franquia na qual ele representa a liberdade mais do que ele a concretiza. Em outros sentidos, e com grandes consequências, esta visão da expressão e liberdade é opressiva, porque Gehry projeta desde a lógica cultural do capitalismo avançado em termos da linguagem de correr riscos e efeitos espetaculares.” Durante esta época onde o capitalismo e o comunismo parecem chegar em um ponto de saturação, o senhor poderia dar algumas palavras como sugestões para interpretar essas experiências, a fim de torná-las intuições?
ON: Não entendi bem. Eu faço Arquitetura que eu gosto. Eu procuro a forma diferente, mas sempre pensando na função. Por exemplo, fiz o projeto do Mondadori, que é um palácio.
Quando ele ficou pronto, e ele teve que fazer outro projeto, em outra cidade, ele me chamou. Então o projeto era funcional.
Eu fiz a sede do Partido Comunista em Paris. Quando eles quiseram fazer o jornal, anos depois, eles me chamaram. Quer dizer, o meu trabalho funcionava bem. De modo que eu acho que a arquitetura tem que atender à finalidade, mas deve ser bonita, deve ser diferente.
Agora, cada arquiteto escolhe o tipo de arquitetura, de forma plástica, que lhe agrada mais. De modo que eu não critico ninguém, eu acho que está tudo bem, cada um faz o que quer. Eu não leio nada sobre o meu trabalho. Tem muitos livros publicados, eu nunca li. Eu quero fazer o meu trabalho, modestamente, como eu gosto. Se me perguntam do arquiteto, o arquiteto é bom, mas eu não digo quem é melhor ou quem é pior. Eu estive lá na casa do Frank Lloyd Wright. Passei uma noite na casinha de Oak Park. Uma casa bonita, ótima. O que ele gostava de fazer. O principal é que o arquiteto esteja satisfeito com o que ele faz. O resto, os outros, não deve interessar. Quando eles começam a se interessar pelo que vão dizer da sua arquitetura, aí ela não está bem, acho que deve ser uma coisa espontânea. O trabalho desse arquiteto deve ser ótimo, se ele está contente de fazer, está ótimo.

LBN: Eu tenho uma pergunta pessoal. Eu li um artigo na revista Trip, recentemente, em que você fala que a sua droga é a mulher. E eu pergunto: qual a sua religião?
ON: Acho mulher importante, é o mais importante. Mais importante que Arquitetura. Acho que deve ser. A vida é isso: a gente rir e chorar o tempo todo, a gente viver os momentos bons e os maus e aguentar. É isso. Não tem mistério.

Niemeyer em 2002


Luis Berríos-Negrón entrevista Oscar Niemeyer

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Note by the author

This interview occurred while I was student of fine arts at the Parsons School of Design in New York City. It was made possible by way of Mariza and Veveco Hardy who were collaborating with Niemeyer at the time. It was scheduled before the events of 9.11 took place. And when 9.11 went down, the loss of life was horrific. I was also horrified about the kind of hatred a building as icon could generate. I became deeply confused about the role of architecture. I needed answers… none came, only more confusion. One of the attributes to the confusion was that, already in October, there was an “exhibition” of Ground Zero proposals at the Max Protech Gallery in the art district of Chelsea in New York. Most starchitects sent a submission. I saw the show. I was not able to understand how fast this happened. As I was made aware by the Hardy’s that I will have a chance to meet and speak to arguably the most experienced living architect, I was already doing my best, not trying to make an interview, but just to look for personal answers, to see if Niemeyer’s wisdom would bleed into me. In the end, it was not his wisdom that bled into me, but surely his patience, humility, humour, and experience that undoubtedly changed my life forever by merely explaining, only as Dr. Oscar could, that it was too early to propose anything for Ground Zero.

Immediately upon my return to New York, I enrolled in a Ground Zero architectural design studio by Bill Sharples of SHoP architects. And it was during that semester where I practiced resistance for the first time, that despite the possibility of being failed for not producing “a building”, I heeded to Niemeyer’s advice. My effort resulted not in a building, but in an environmental and cultural analysis of the site, that informed a series of programmatic diagrams for a Geo and Bio Ethics University in Lower Manhattan. This program was strictly based on the idea of patience, of time, respect and consideration that was just not in the curriculum of my architectural education. It is an idea, especially in the context of climate change, of real estate bubbles, and the greed-driven neoliberal destabilization of the markets and of entire societies, that to this day still is the beating drum that gives rhythm to my work. For this, and his enormous built and social legacy, I will be forever grateful to Niemeyer, and to Veveco.

Interview Oscar Niemeyer

On December of 2001, there I sat in the new terminal 4 at the JFK airport in New York about to board a plane heading to Brazil. The stress of the current travel conditions is gracefully diminished by the enormously light Alexander Calder mobile… grounding me, reminding me of the reason for this flight: Oscar Niemeyer. I focus on Calder’s mobile and feel the zero gravity, a timeless scale. Feelings Niemeyer has also given me upon navigating his oeuvre, a malleable license to dream he awarded us decades ago. And then it hits me, what am I to ask, to say to Niemeyer? How can I, a wet-behind-the-ears student-architect, connect with this 94 year old living legend, communist, reluctant associate of Le Corbusier, and contemporary of greats such as Lloyd Wright, Gropius, Tange, Van der Rohe, Sartre? There are light years of information in between us. How shall we wormhole the sense in this one?

Oscar Niemeyer is Brazilian, “carioca” to be exact (from the state of Rio de Janeiro). He was born with modernism. At 33, he built his first mayor commission, several leisure buildings around the Pampulha Lake in Belo Horizonte, where his St. Francis of Assisi chapel is located. At 40 he submits a design competing against the most renowned architects in the world, Le Corbusier being one of the competitors, for the see of the United Nations in New York City. He is awarded with the commission, and despite disagreements with Le Corbusier, he accepts the award and goes forth with its construction, built in 1953. From 1955 through 1960, he, alongside his mentor/urbanist Lucio Costa, designs and builds the new capital city of Brazil, Brasilia. During the 60’s and 70’s Niemeyer is harassed and persecuted by the insurgent military dictatorship. The chief engineer of Brasilia and good friend of Niemeyer, Joaquim Cardozo, is judged and prosecuted for “incompetence” for his role in the building of the new capital. Niemeyer is forced to seek political asylum in Europe for almost 2 decades. During those years, and still to this day, he continues to build in 5 continents with dozens of transcendental works credited to his oeuvre.

He is criticized, alleging that Brasilia did not work. Niemeyer wrote – “I hope that Brasilia becomes a city of happy people, people that feel life in all its plenitude, in all its frailty; people who understand the value of the simple things – a gesture, an expression of affection and solidarity.” Perhaps Niemeyer depended on humanity…

Surrounded by the intoxicating spirit of Rio and with my vague Spanish version of Portuguese, I am welcomed with warmth and contagious sympathy by Mr. Niemeyer (or Dr. Oscar as he is referred to around these parts).

Luis Berríos-Negrón: So, you’re meeting today with Le Monde (newspaper of largest circulation in France), for the publishing of a brief biography. Why do you think you are, at 94, as requested as ever?
Oscar Niemeyer: I do not know the reason (smiles). I am a common man just as everyone else.

LBN: As described in my letter to you, I feel there’s a great desire to hear your opinions during this period of drastic change and conflict. 9.11 has instigated a vast reassessment of perceptions, from local to global standpoints. And for many of us who were meters away from the collapse, we have been left with a profound feeling of despondence. For us specifically, as new students of the profession, we are beginning to wonder what is to become of the world, little less of the profession… its seeming irrelevance due to inexplicit geopolitics causing the radical dismay of our fellow citizens across the globe. Considering this, do you envision a new role for architecture… for the student, for the professional, for the people?
ON: I have always told students that school is not enough to be a professional. I always say that one needs to be aware of the world and of life so to be able to participate with dignity in the events of actuality. When I designed the University of Algiers in Africa I also proposed a program for the school of architecture that, in addition to the traditional curriculum, it implemented parallel courses in science, philosophy, sociology, literature and politics. All so that the student can leave the academia to live in decency, able to manifest. That is my opinion. I go through life tied to my drawing table, but I find that life is much more important than architecture.

LBN: Do you feel that the skyscraper still has a place in these times of neoliberal sprawl?
ON: I believe that urbanism has options. It can be vertical, it can be horizontal. Any solution can be good. I believe that the architect must be sensitive, procuring the needs of the community. Urbanism must be a solution that provides for the well-being of humanity. I understand that architecture changed many things. For me, after reinforced concrete, I have not had any interest in other architectures. In the past, in Rome for example, they made a dome of thirty-five meters in diameter and one meter of thickness. Yesterday, we released a design for a dome of seventy meters in diameter with a twenty-centimetre thickness. So, the technique has evolved. Reinforced concrete is what prevails. The space that the architect designs must procure the function of society. Therefore, the architecture makes the architect make the architecture. I do not credit an architecture that serves all. It would be repetition, it would be monotony. I believe architects, within reason, must procure their own architecture. I believe in intuition. I do my work. I procure a lighter architecture.

LBN: Do you have any suggestions as to what should be done with the site where the World Trade Center used to be?
ON: No, I do not. I understand there will be an exhibition in New York (Max Protech Gallery) about these proposals. I was invited to participate in this exhibition, but I respectfully declined to submit any ideas. I feel that we are entering one of the darkest periods in human history, a period of violence. Many see that what happened to the Towers was an act of terrorism, but I believe that the invasions and the bombardments are also acts of terrorism. I find it horrible. The death and the horror caused by the collapse of the Towers were horrible, but the destruction of entire cities and nations in the Arab world is also horrible. Many innocent people are dying.

ON: I believe that life is a minute (smiles). I believe we should live better. We must live well. Why that misery, that hatred? I travelled the Arab world and it is an antiquated world. I was in Saudi Arabia and it is outside of civilization. I was in the United States and I liked it. During those years students were jumping on the streets saying – “up democracy, down fascism…” It was a time of enthusiasm trying to make a better world. But that’s in the past, now it is all confused. I don’t like Bin Laden, but I don’t like Bush either.

LBN: Looking at Brasilia after half a century, and considering “the urban proliferation of confusion”(1) abetted by the Alphavilles (model of gated communities of Brazil, ironic considering Goddard), can architecture and urbanism still facilitate social mobility?
ON: I find that it is man who damages things. Look at Argentina. It is a moment of enthusiasm where the people come out to the streets. In Brazil, things are not well either. They have sold our country. It is very complex, don’t you think? I am not a political analyst, I am just a simple architect, but I am interested and I have my opinion. I lived my life protesting for a better, common life, for a more just world.

LBN: I read a recent article about you in Wall Paper magazine where you described La Casa do Baile in Pampulha, as you would describe many if not all of your public works, as a place for the people. Is the Sambadrome a satisfying project from a socio-political point of view?
ON: Carnaval is an event of the people. The people are those who are poor and live in the favela. When Carnaval comes, those who live in the favelas innocently spend the bit of money they saved during the year on their costumes to go and entertain those who have oppressed them all throughout the year. There goes the bourgeoisie to applaud, only to return the next day to the same oppression and rejection of the poor. The world is very perverse.

LBN: And the United Nations?
ON: Like I said, man damages everything.

LBN: Which project has given you the most satisfaction?
ON: I have made such diverse projects… if you look at my work, I have made few apartment and office buildings. I have made more theatres, museums… projects that require more imagination. Those are the commissions I enjoy. I like making residences but it is always a pain in the ass dealing with proprietors (smiles). I made a house in Brasilia. The house was good. When the house was ready, the owner called me to go see it. I did. When I arrived, the owners were waiting for me at the entrance, a nice couple. They say to me – “Dr. Niemeyer, this house has changed our lives. We liked it so much we decorated it ourselves.” I was frozen [laughs]. When I went in, the house had no architecture left. So, architecture is not only the outside, it is also the inside, the program. That is something that it is difficult for people to understand. The design is the space that envelops the architecture. Now, I will tell you that I do what I enjoy. When the theme allows it, I speculate a technique, I convene my engineers. I made a building in Brasilia. It is a government building, it is large. When one arrives under it one only sees one structural member, seemingly floating in the air. This building rises and all the floors are held by two beams that come down into the ground. This is a demonstration of technique. I try in helping architecture evolve. The President of Brazil passes by and says – “why such a luxurious building?” He does not comprehend. When I make a public building as such, I imagine the poor person that will never get anything out of it. That although it is the others that will benefit, that will make money from it, it is this poor person that can at least look at it and say with pleasure – “this is different.” Therefore, architecture is full of secrets. The people want to see the architectural spectacle.

LBN: You are probably tired of listening to people ask you about this quote by Le Corbusier – “Oscar, you do baroque in reinforced concrete, but you do it very well.”
ON: The only influence I had from Le Corbusier was when he told me “Oscar, architecture is invention.” Therefore I procure the making of an architecture that has something different, which creates surprise. But my architecture is very different from his. He made this heavy thing. He did not speculate much on the technique. When one arrives into his work there is a lot of columns. He used columns at less than a half the distance of what was needed, you know, like the Egyptians [smirks]. But, I do not criticize him. Everybody does what they please.

LBN: What are your most important interventions, politically or otherwise, as to protest a social or government action? Have you ever intervened in the misuse of one of your buildings?
ON: I joined the communist party. I was prohibited from visiting the United States for 20 years. I continued with my ideas. Communism is an idea that continues to be, in the air. It exists for the fellowship of humanity. What happened in the Soviet Union will one day be modified. What the Soviets wanted was government support for housing, food, health, science. I find that capitalism is in decadence. The United States is in a path of crisis. It took 300 years for the Roman Empire to crumble. They might remain in that climate of power and of excessive intervention in the lives of others for many years. But that will end. I believe that man should look to the sky and realize that he is a little thing, of little importance. People are living on appearances… what appearances? A journalist once asked me – “Doctor, after you die, people will see your buildings and then they marvel at your genius.” Marvel about what [laughs]?! People die too, you know. We all die. Everything ends.

LBN: What do you mean when you say – “the architect should be born an architect, just as a painter should be born a painter?”
ON: I believe that there should be intuition in the arts. The person learns architecture. The person goes to school. If the person has talent, a different architecture might emerge. If not, the person can be useful in making normal architecture, indispensable for life. Like a child, one must protect intuition. An eight year old child can make a fantastic design. The child goes to school, meets the teachers, learns the rules. I would like for schools of architecture to allow for more freedom. I know many graphic, furniture, and interior designers that are better architects than architects. Le Corbusier did not go to school. He had an idea of architecture. He worked in an architect’s studio and from there he went on to design the things that he liked. That is why I believe there should be intuition. If there is no intuition, there is mediocrity. Architects are making things that are uniform. If you go to Brasilia today, it is very sad. You see buildings on the streets that are methodical, mediocre, confusing. But what can I do? If you look here in Rio de Janeiro and you ask what is being built, you will be taken to Barra (beach-front area southwest of Rio). Barra is shit. It is another Miami. It is a suburb of Miami. In any modern city, to see good architecture, you have to have an address on hand, because there is no unity. But that’s how it is.

LBN: How does it feel to be referred as to the other communist left in the world… the other of course being Fidel?
ON: Ah… Fidel Castro is a fantastic figure. There he is, alongside the United Sates, defying American power. Fidel transformed the life of humanity, relating himself to others in a wonderful country. There is no misery, there is fraternity, they have an extraordinary public health system, there is no illiteracy. It is a great example for all humankind.

LBN: What is to become of solidarity and communism?
ON: I believe that what happened in the Soviet Union was an unforeseen accident. It will evolve, because, again, communism is something that is in the air, which will soon have another name. The idea is that we should live as equals, that we live well. Who can go against that? Only the insane [laughs].

LBN: For an atheist you have quite a gift for making space for spirituality. How do you connect with these sensibilities in your ecclesiastic work?
ON: I was from a Catholic family. My family were landowners. My father came to Rio and got involved in politics. Our house was big and they held gatherings. My mother would open the six windows in our living room, then she would open the “oratorio” (enclosed altar) and there they would hold mass. But when I left on to live life, I realized that life is very unjust. Therefore, it is important to protest. I go through life protesting that which is unjust.

LBN: What is the project you are currently working on… that you are most enthusiastic about?
ON: In addition to the projects I have already mentioned to you, I am currently making a house in Norway. I have great interest in this house. I am also making a building in Italy. Here in Rio, I am making “El Camino Niemeyer” in Niteroi that will be a complex of buildings that include a cathedral. That complex will be alongside the coast near the ocean. It is a site that interests me because it will enhance the architecture there. I need to closely analyze the conditions as I feel that the buildings must coincide, that there needs to be a soft, plastic element that connects them. But, the auditorium in Sao Paulo and the museum in Paraná are taking up most of my time.

LBN: Is there intent to project socio-political ideas through the “plastic freedoms” and “gestural aesthetics” of your work?
ON: My oeuvre is: the work that I make that comes to my hands, it is to convene my fellow artists to work, it is an attempt to return to the integrity of the arts, it is an attempt to return to the ligation between art and architecture. That project that I am making in Niteroi is not going to be done with expensive materials. I do not make my architecture propaganda of materials. My wall is smooth of white. Whenever possible I add a painting or a drawing.

LBN: American critic Hal Foster states – “[Frank Gehry’s] free expression implies our unfree inhibition, which is also to say that his freedom is mostly a franchise in which he represents freedom more than he enacts it. Today, this exceptional license is extended to Gehry as much as to any artist, and certainly with greater consequences. In another sense this vision of expression and freedom is oppressive because Gehry does indeed design out of “the cultural logic” of advanced capitalism, in terms of its language of risk-taking and spectacle effects.” – So I ask you, at a time where capitalism and communism seem to be reaching points of saturation, could you give us a few more words that might help us adapt to these changes?
ON: I do the architecture that I like. I don’t criticize anyone, everyone do as they please. I don’t read anything about my work. There are a lot of books published about my work but the only thing I want is to do the work I like. If you ask me about an architect I will say the work is good. I will never tell you which architect is better, which one is worst. I visited Frank Lloyd Wright at one of his houses, a beautiful house that he liked. The principal element is that the architect is satisfied with the work. When the architect becomes preoccupied with what is being said about the work then the architecture is no good. I always feel that it should be more spontaneous. The best work is that which makes you feel well. Then it can be good.

LBN: Doctor, one last question: your dear friend Gabriel García Márquez titles one of his books “Del amor y otros demonios” (Of love and other demons). If women are “your drug”, what is your religion?
ON: Doctor, one last question: your dear friend Gabriel García Márquez titles one of his books “Del amor y otros demonios” (Of love and other demons). If women are “your drug”, what is your religion?


Luis Berríos-Negrón is Bachelor of Fine Arts at the Parsons School of Design, New York,  and Master in Architecture at the Massachusetts Institute of Technology, Cambrigde.


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Degravação em Português e edição: Luciana Jobim


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Antonio Garcia Moya, um arquiteto da Semana de 22 : parte 2

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ou

la mala suerte

Templo, Antonio Garcia Moya, s.d.

Sylvia Ficher

*

Não farei apologias porque me repugnam de igual maneira diatribes e descompassado louvor.

Mario de Andrade, De São Paulo II, 1920.2

O “Modernismo”, no sentido que lhe deram seus fundadores, pertence hoje ao Passado. Dir-se-ia, pois, falando linguagem cara aos insurrectos de 1922, que virou passadismo. Quer dizer: foi superado. Mas não seria justo nem honesto recusar-lhe importância histórica. Negá-lo seria ingênuo. Como seria tolice repeti-lo.

Peregrino Júnior, O movimento modernista, 1954.

Plunct Plact Zum
Não vai a lugar nenhum!!
Tem que ser selado, registrado, carimbado
Avaliado, rotulado se quiser voar!

Raul Seixas, Carimbador maluco, 1983.

Desconcerto: ainda a prótase

Residência Remo Corsini, Moya & Malfatti, 1938.Afinal, em que consiste o juízo que se estabeleceu sobre Antonio Garcia Moya (1891-1949), juízo este que tanto me incomoda? Num improcedente infortúnio – para não dizer azarão – crítico. O que predomina são meras opiniões expostas em comentários superficiais, quando não preconceituosos e intransigentes, assentadas no mais das vezes no vácuo de informações que as fundamentem.De 1922 até a edição entre 1954 e 1955 das “Notas para a história do modernismo brasileiro”, de Mário da Silva Brito (1916-?)3 – notas essas que dariam origem ao seu Antecedentes da Semana de Arte Moderna em 1958 –, raras são as referências a ele, afora a publicação de uma bela série de projetos de seu escritório, Moya & Malfatti, de fins da década de trinta a inícios da de cinquenta.Ausente está até naquelas notícias que versam diretamente sobre a Semana de Arte Moderna. Juntamente com o de outros expositores e sem comentário algum, seu nome é registrado em matérias de jornal – meros press releases – antes e durante a realização do evento, de 13 a 17 de fevereiro. Com um tiquinho de informação, veja-se, por exemplo, “Semana de Arte”, no Correio Paulistano, de 29 de janeiro; “De uma noite a outra” (original em italiano), no Il Piccolo, ou “Semana de Arte Paulistana no Municipal” (original em alemão), no Deutsche Zeitung, ambas de 13 de fevereiro.4

Alguns projetos da Moya & Malfatti na Acrópole.

Residência Reynold King Hughes, Moya & Malfatti, 1938. Residência Reynold King Hughes, Moya & Malfatti, 1938.
Residência Domicio Pacheco e Silva, Moya & Malfatti, 1950. Residência Domicio Pacheco e Silva, Moya & Malfatti, 1950.

22 por 22, a Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos, Maria Eugenia Boaventura, 2008.Minimamente mais atento à arquitetura foi Sergio Milliet (1898-1966) em “Une semaine d’art moderne à São Paulo”, artigo publicado dois meses depois na Bélgica e o mais detalhado dentre aqueles da época:

Em arquitetura podemos admirar os templos de Moya e as casas de campo de Przyrembel.5

Templo, Antonio Garcia Moya, s.d. Taperinha na Praia Grande, Georg Przyrembel, 1922.

Lembrado de fato será por Menotti del Picchia (1892-1988), que reiteradamente o cita nos artigos que escreve por ocasião de aniversários da Semana, sempre incluído entre os integrantes do sodalício vanguardeiro. Já no primeiro decenário, em 1932, ao descrever o clima pré-1922, Menotti não deixa dúvidas quanto ao membros de seu núcleo duro. E não poderia ser mais peremptório quanto à precedência que atribui a Moya em relação a Gregori Warchavchik (1896-1972) e Flávio de Carvalho (1899-1973) –, quem iriam compor, juntamente com Rino Levi (1901-1965), o triunvirato moderno-arquitetônico paulistano por excelência:

As conspirações iniciais da grande revolta – da verdadeira revolta brasileira – eram feitas por Oswald, Mario e eu numa casinha da rua Rui Barbosa, onde havia um gramofone, ou em nossa casa, então na rua da Consolação ou no gabinete muito erudito, muito cheio de revistas alemãs e francesas do criador da Paulicea desvairada.

O grupo de artistas – escultores, músicos, pintores e arquitetos, que preparavam o assalto no setor da plástica, eram Victor Brecheret, Villa-Lobos, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Moya. Nesse tempo, Tarsila era acadêmica e não havia notícias de Flávio, o homem do lincha! lincha!, nem do Warchavchik, nem do Segall.6

Tarsila, de acadêmica a moderna.

Estudo (Nu sentado), Tarsila do Amaral, 1921. Interior do atelier de Auteuil, Tarsila do Amaral, 1921. Estudo colorido de composição cubista I, Tarsila do Amaral, c. 1923.
Experiência no 2 : realizada sobre uma procissão de Corpus-Christi, Flavio de Carvalho, 1931. Casa da rua Santa Cruz, Gregori Warchavchik, 1927.

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Segall, antes e depois da vinda definitiva para o Brasil em 1924.

Interior de pobres II, Lasar Segall, 1921.Menino com lagartixas, Lasar Segall, 1924.

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Igualmente em 1952:

Trinta anos! Nesta data, em 1922, no palco do Teatro Municipal, sentado displicentemente diante de uma plateia hostil, o grande Graça Aranha – embaixador, membro da Academia Brasileira de Letras, famoso autor de Canaan – rebelado e temerário, com uma surpreendente palestra, dava início à Semana de Arte Moderna, revolução sem sangue que revolveu toda a mentalidade do país.

...No “hall” do nosso teatro máximo os “novos” haviam organizado uma exposição de pintura, escultura, arquitetura. Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Zina Aita, Vitor Brecheret, Moya e outros artistas antecipavam as irreverências da Bienal com telas abstracionistas, cubistas, surrealistas. No estrado de diretor, Villa-Lobos dirigia suas sinfonias consideradas malucas e hoje consagradas pela crítica do mundo.7

Chanaan, Graça Aranha, 1902.1ª Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1951.

Note-se a alusão nada gratuita, muito bem endereçada à recém-concluída 1ª Bienal de Arte de São Paulo.

E mais nada sobre o Antonio Garcia Moya quando o assunto é a Semana.

Injusto seria nos queixarmos da inexistência de referências seja a ele, seja a ela, em Brazil builds – ou, melhor, Construção brasileira,8 documento de 1943 e tão extraordinário para a revelação da nossa arquitetura moderna mundo afora, no entanto catálogo de uma exposição voltada para momento bem posterior. Como que lhe dando continuidade, as publicações em periódicos estrangeiros vão se centrar na produção arquitetônica da hora, conforme discutido por Nelci Tinem em O alvo do olhar estrangeiro: o Brasil na historiografia da arquitetura moderna (2002). Igualmente o esforço pioneiro dos estudantes da então novíssima Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil com sua Ante-projeto, revista editada por Edgar Graeff (1921-1990), Marcos Jaimovich (1921-2009), José Duval, Nestor Lindenberg e Slioma Selter, e cujos números estão reunidos em Arquitetura contemporânea no Brasil (1947).

"Construção brasileira", mais conhecido por "Brazil builds", Philip L. Goodwin, 1943. "O alvo do olhar estrangeiro: o Brasil na historiografia da arquitetura moderna", Nelci Tinem, 2006 (1ª ed. 2002). "Arquitetura contemporânea no Brasil", 1947.

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Ainda na década de quarenta, a arquitetura começa a se fazer presente em balanços de caráter mais geral sobre o desenvolvimento do modernismo no Brasil – porém não aquela da Semana. Desde o precursor Retrato da arte moderna do Brasil (1947), onde o paulista Lourival Gomes Machado (1917-1967) acuradamente mostra como a Semana dava continuidade a movimentos de renovação artística já em curso no país. Só que tal renovação na arquitetura seria tardia, ocorrendo em São Paulo apenas a partir de meados da década de vinte, “com algum natural atraso, é certo – à fase vanguardeira que a literatura e a pintura já tinham conhecido, pelo menos uns dez anos antes.”9 Para tomar fôlego na década seguinte quando “a liderança passou ao Rio de Janeiro (para onde aliás já viajara, em multiplicação, boa parte da pintura modernista).”10

"Retrato da arte moderna do Brasil", Lourival Gomes Machado, 1947. "Muita construção, alguma arquitetura e um milagre", Lucio Costa, 1951. "A arquitetura brasileira dos séculos XIX e XX", Mario Barata, 1952.

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Relatos históricos especificamente voltados para a arquitetura brasileira, encontramos alguns deles dos anos cinquenta; contudo, ao abordarem o modernismo tendiam a ser mais focados no Rio de Janeiro e na década de trinta, sequer se referindo à Semana.

Do franco-carioca Lucio Costa (1902-1998), temos “Muita construção, alguma arquitetura e um milagre” (1951) no qual afirma – com cordialidade bem distante do tom ríspido empregado anos antes em sua “Carta-depoimento” (1948)11 – a precedência de São Paulo em relação ao Rio no que se refere à arquitetura moderna, entretanto localizando a novidade, como já se tornara praxe, em fins da década de vinte.

Conquanto o movimento modernista de São Paulo já contasse desde cedo com a arquitetura de Warchavchik (o romantismo simpático da casa da Vila Mariana data de 1928), aqui no Rio somente mais tarde, depois da tentativa frustrada de reforma do ensino das belas-artes, de que participou o arquiteto paulista e que culminaria com a organização do Salão de 1931, foi que o processo de renovação, já esboçado aqui e ali individualmente, começou a tomar pé e organizar-se12

O carioca nascido na Suíça Mario Barata (1921-2001) vai no mesmo rumo em seu A arquitetura brasileira dos séculos XIX e XX (1952):

Em 1927 ou 1928 Gregory Warchavchik iniciava no Brasil a luta por esse funcionalismo arquitetônico, ligado ao cubismo plástico. Com ele passará a trabalhar Lucio Costa.13

Acrescentando que “o surto da arquitetura moderna brasileira” muito deveu tanto a Costa, como

ao ambiente intelectual e artístico do país – a Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Rodrigo M. F. de Andrade e outros, que renovaram a nossa cultura a partir de 1922.14

L'architecture moderne au Brésil, Henrique Mindlin, 1956. Modern architecture in Brazil, Henrique Mindlin, 1956. Neues Bauen in Brasilien, Henrique Mindlin, 1957.

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Um pouco mais detalhado é o posicionamento do paulista Henrique Mindlin (1911-1971), cujo L’architecture moderne au Brésil (1956) trata a Semana com gentileza, ressaltando seu significado cultural ainda que sem entrar em maiores particulares e nada dizer sobre a arquitetura nela exposta. Apesar de apontar seu crédito para a recepção dada por São Paulo – senão calorosa, ao menos sem maiores estranhamentos – ao nosso trio pioneiro oficial, também deixa implícita a ideia de que nela não houve a presença de algo a ser considerado “arquitetura moderna”, uma vez que este algo se manifestaria somente anos depois, de 1925 em diante:

L’influence de la Semaine d’Art Moderne sur l’architecture ne tarda pas à se faire sentir. En 1925, Gregori Warchavchik lança dans les journaux de São Paulo et Rio son “Manifeste de l’Architecture Fonctionelle”…, et Rino Levi, encore etudiant a Rome, publiait … un article où il réclamait un urbanisme brésilien. Lorsque, en 1927, eut lieu un concours pour la construction du Palais du Gouvernement de São Paulo, Flávio de Carvalho scandalisa l’opinion publique avec un project “moderniste”15

Acerca da Arquitetura Moderna, Gregori Warchavchik, 1925.Palácio do Governo de São Paulo, Flávio de Carvalho, 1927.

Simplório seria ver nessas nuances meras manifestações de bairrismo; muito mais estava em jogo, todavia esta não é a ocasião para nos aprofundarmos em porquês… Seu tempo e circunstância virão muito adiante, no compasso lento que vem tomando essa minha infinda tagarelice.

Interessa notar é que, turvando o contexto, por então é a própria Semana que entra na berlinda, dita movimento sem programa estético consistente. Demanda das mais despropositadas, na medida em que o estabelecimento de um ideário em comum ou de uma linha de ação conjunta não parece ter sido um propósito dos participantes. Mesmo assim, as tantas conferências então realizadas expunham as opiniões de seus autores frente às temáticas da vanguarda. Ou seja, elas contemplavam algum tipo de posicionamento, mesmo que não necessariamente um consenso – ou ao menos uma convergência –, sobre o que cada um estava pensando ser “arte moderna.” Veja-se as duas mais conhecidas: “A emoção estética na arte moderna,” de Graça Aranha (1868-1931), proferida a 13 de fevereiro; e “Arte moderna”, de Menotti del Picchia, proferida a 15 de fevereiro.16

Programação que pertenceu a Paulo Prado, 1922.Um imprescindível espicilégio: "Vanguarda européia e modernismo brasileiro", Gilberto Mendonça Teles, 2012 (20ª ed. ampliada; 1ª ed., 1972).

Para o primeiro, a subjetividade é a questão central:

E eis chegado o grande enigma que é o precisar as origens da sensibilidade na arte moderna. Este supremo movimento artístico se caracteriza pelo mais livre e fecundo subjetivismo. É uma resultante do extremado individualismo que vem vindo na vaga do tempo há quase dois séculos até se espraiar em nossa época, de que é feição avassaladora.

Sua fé é tanta que, para ele, a subjetividade não implica em uma arte cuja instância é restrita, individual:

Este subjetivismo é tão livre que pela vontade independente do artista se torna no mais desinteressado objetivismo, em que desaparece a determinação psicológica.17

Além disso, nessa conferência Graça Aranha teve, como notou Wilson Martins (1921-2010),18 a primazia no emprego do termo “modernismo” entre nós. Neste belíssimo trecho:

É verdade que há um esforço de libertação dessa melancolia racial, e a poesia se desforra na amargura do humorismo, que é uma expressão de desencantamento, um permanente sarcasmo contra o que é e não devia ser, quase uma arte de vencidos. Reclamemos contra essa arte imitativa e voluntária que dá ao nosso “modernismo” uma feição artificial. Louvemos aqueles poetas que se libertam pelos seus próprios meios e cuja força de ascensão lhes é intrínseca. Muitos deles se deixaram vencer pela morbidez nostálgica ou pela amargura da farsa, mas num certo instante o toque da revelação lhes chegou e ei-los livres, alegres, senhores da matéria universal que tornam em matéria poética.19

"História da inteligência brasileira Vol. VI (1915-1933)", Wilson Martins, 1978.Graça Aranha pagando o mico de sua conversão ao modernismo...

Bem menos filosófico e bem mais específico, Menotti se coloca inequivocamente contra o academicismo, ao mesmo tempo que não vê problema algum na ausência de uma orientação monolítica, concertada e mancomunada:

O que nos agrega não é uma força centrípeta de identidade técnica ou artística. As diversidades das nossas maneiras são verificáveis na complexidade das formas por nós praticadas. O que nos agrupa é a idéia geral de libertação contra o faquirismo estagnado e contemplativo que anula a capacidade criadora dos que ainda esperam ver erguer-se o sol atrás do Partenon em ruínas.

E deixa claro o viés nacionalista, esse sim compartilhado por boa parte dos participantes da Semana:

Dar à prosa e ao verso o que ainda lhes falta entre nós: ossos, músculos, nervos. Podar, com a coragem de um Jeca que desbasta a foice uma capoeira, a “selva áspera e forte” da adjetivação frondosa, farfalhuda, incompatível com um século de economia, onde o minuto é ouro…

Nada de postiço, meloso, artificial, arrevesado, precioso: queremos escrever com sangue – que é humanidade; com eletricidade – que é movimento, expressão dinâmica do século; violência – que é energia bandeirante.

Assim nascerá uma arte genuinamente brasileira, filha do céu e da terra, do homem e do mistério.20

Incidentalmente, nacionalismo não é monopólio de modernos, ele perpassa toda a nossa história – não só política, como cultural – desde a colônia. E estava particularmente operante no ambiente literário de então. Como esclarece Wilson Martins:

A verdade é que desde 1900, quando Olavo Bilac apontava os remadores do Flamengo como exemplo à juventude, lembrando-lhe que rapazes como aqueles haviam ganho a batalha de Salamina, o vigor físico era a forma por assim dizer concreta e sensível do nacionalismo, correspondendo simetricamente às suas manifestações intelectuais e ideológicas. O herói atlético e sadio será, dentro em pouco, uma das figuras prediletas da ficção modernista, a começar por Oswald de Andrade (em harmonia com a filosofia de vida de Graça Aranha). E, de fato, a aurora modernista começava a mostrar-se ao longe, sob as espécies de vagos clarões, ainda indecisos. Assim, por exemplo, o Estado de São Paulo anunciava para breve o aparecimento da Revista do Brasil, sob a direção de Luiz Pereira Barreto, Júlio de Mesquita e Alfredo Pujol, o que efetivamente aconteceu, em janeiro de 1916. Não há paradoxo nenhum em que um grupo ideologicamente conservador (no sentido amplo da expressão) criasse um órgão de expressão das ideias e sentimentos nacionalistas – por onde se instituía o máximo denominador comum que havia de identificar mais tarde a Revista do Brasil com o movimento modernista.21

Mais incidentalmente, note-se que cisões entre “tradicionalistas” e “progressistas” e entre “nacionalistas” e “internacionalistas” não demorariam. Sintomaticamente, a confraria da Semana escolhe uma palavra francesa, Klaxon, para nominar sua revista…22 Novamente, com a palavra Wilson Martins:

Ainda mais expressivo é o titulo de Klaxon dado ao órgão oficial do primeiro modernismo, lembrando, talvez por coincidência, Le Klaxon, “journal humouristique, fantaisiste et mondain des tranchées”, publicado em Nancy durante a guerra; acrescente-se que, subintitulada “Mensário de arte moderna”, o anuncio inserto na terceira capa do ultimo numero indicava significativamente: “Revista internacional de arte moderna.” E internacional ela o era, com efeito, não só pelo corpo de colaboradores (onde predominavam os de língua francesa, como Roger Avermaete [1893-1988], Bob Claessens [1901-1971], Joseph Billiet, Charles Baudouin [1893-1963], Nicolas Beauduin [1881-1960], Marcel Millet, Henri Mugnier [1890-1957]), pelos brasileiros que se esmeravam em escrever na mesma língua (Serge Milliet, Manuel Bandeira) e ainda pelos pontos de referencia críticos, que eram todos franceses.23

Porém não percamos a métrica e retomemos o fio de nosso andamento.

A rigor, as lamúrias quanto à falta de uma linha propositiva da Semana têm origem no próprio Mario de Andrade (1893-1945), quem permite extrair tal interpretação da leitura do seu balanço canônico, o nosso já conhecido “O movimento modernista”, de 1942, onde insiste abusadamente na dimensão destruidora, vale dizer insensata, da Semana:

Porque, embora lançando inúmeros processos e ideias novas, o movimento modernista foi essencialmente destruidor. Até destruidor de nós mesmos… Mas nós estávamos longe, arrebatados pelos ventos da destruição E fazíamos ou preparávamos especialmente pela festa, de que a Semana de Arte Moderna fora a primeira. Todo esse período destruidor do movimento modernista foi para nós tempo de festa, de cultivo imoderado do prazer.24

Em uma apreciação de viés militante e não muito realista da era Vargas, a seu ver esse ambiente exaltado será substituído de 1930 em diante por “uma fase mais calma”, um clima construtivo de busca, aí sim consequente, de uma nova realidade social.

E no entanto, é justo por esta data de 1930 que principia para a inteligência nacional uma fase mais calma, mais modesta e quotidiana, mais proletária, por assim dizer, de construção.25

Ninguém menos do que Di Cavalcanti (1897-1976) – consensualmente o responsável pela ideia de uma semana de apresentações artísticas como parte das comemorações do centenário da Independência – dá testemunho do pessimismo de Mario, ao comentar em sua autobiografia:

Viagem da minha vida, E. di Cavalcanti, 1955.Oswald de Andrade e Menotti del Picchia acharam sempre que tudo que surgiu no Brasil artístico e literário depois de 1922 vem da Semana: é um exagero, como exagerada a completa desilusão de Mario de Andrade em relação à Semana.26

Pelas mãos de seu mais incensado protagonista, numa interpretação por ele em certa medida facultada, a Semana de Arte Moderna poderia ser entendida como mera explosão emocional sem rumo. Quesito em que Mario também fez escola e cobranças dessa ordem iriam se eternizar. Veja-se, por exemplo, “O jeitinho moderno brasileiro” (1993), artigo de Ronaldo Brito no qual é feito um exame da contribuição da Semana – procedimento absolutamente lídimo.

Ao dispor sem maiores mediações ou especulações compromissos estéticos heterogêneos, a Semana repetia involuntariamente o sincretismo colonial, embora incorporasse, numa esperta manobra moderna, a dinâmica do cotidiano urbano industrial. Assim, um “estilo Léger” tropicalizado, com um astuto toque literário, adaptava-se à técnica rudimentar de Tarsila e, mediante soluções tão ousadas quanto ingênuas, vinha a ser o veículo adequado para uma pintura que procurava captar a nova mecânica social.27

A bizarrice da análise reside no fato de que, em seu afã, no mesmo embalo o autor tece críticas – pertinentes ou não, não vem ao caso – à habilidade pictórica de Tarsila do Amaral (1886-1973). Causa perplexidade!! A vontade de exigir da Semana o que dela ao que tudo indica seus realizadores nem pretenderam é tanta que, pasmem, vale nela encaixar a Tarsila, que sequer por lá andou, que sequer conhecia o pessoal, a ele sendo apresentada por Anita Malfatti (1889-1964) após seu regresso de Paris em junho de 1922, quando aí sim iria integrar-se ao contubérnio.28

Grupo dos Cinco, Anita Malfatti, 1922.

Não sejamos mesquinhos e deixemos de lado as picuinhas, afinal associar a Tarsila com a Semana é equívoco dos mais comuns. Inteiramente dedicado à Semana, um número da revista Cultura de 1972 – ao qual voltaremos em um próximo capítulo… – tem sua capa ilustrada com uma pintura… da Tarsila. E isso só se acentua: em pleno século 21, a revista Piauí mantém a tradição com artigo sobre a Semana: ilustrado com? …Tarsila. Curiouser and curiouser, referências dedicadas à Semana ilustradas com pinturas de Tarsila do Amaral, para todo o sempre hyperlinkada com a Semana…

A negra, Tarsila do Amaral, 1923.São Paulo, Tarsila do Amaral, 1924.

A questão de fundo, o que parece incomodar o Ronaldo Brito, é a inexistência de “maiores mediações ou especulações.” Traduzindo: cadê os manifestos?

Ora, os tão ansiados manifestos não haviam tardado, desde o primeiro artigo do primeiro número da Klaxon, em maio de 1922. Dentre os mais óbvios: “Poesia Pau Brasil” (1924) e “Antropófago” (1928), de Oswald de Andrade (1890-1954); “Programa do Centro Regionalista” (1926/1952), de Gilberto Freyre (1900-1987); “Grupo Verde de Cataguases” (1927), de vários autores; “Nhengaçu Verde-Amarelo” ou “Escola da Anta” (1929), Plinio Salgado (1895-1975), Menotti del Picchia, Alfredo Ellis (1896-1974), Cassiano Ricardo (1895-1974) e Cândido Mota Filho (1897-1977).29

Klaxon, no 1, maio 1922. Manifesto da Poesia Pau Brasil, Oswald de Andrade, 1924.
Verde, no 3, nov. 1927. Nheengassu da tribu verdamarella, Plinio Salgado, Menotti del Picchia, Alfredo Ellis, Cassiano Ricardo e Cândido Mota Filho, 1929.

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Parafraseando o dileto Wilson Martins, “havia numerosas moradas no mundo do modernismo.”30 Todas elas refletindo à perfeição as diferenças programáticas que então se expressavam, emergidas na esteira da Semana. Ou seja, mesmo que se desconte as conferências da própria Semana e apressadamente se aceite que ela não teve seu ínsito manifesto, foi ela quem emprenhou grande parte das ideias paridas nos manifestos que a ela se seguiram. E que no pós-1930 iriam se radicalizar em partisanismos políticos, num clima belicoso que em nada se assemelhou à leniente descrição dele feita por Mario de Andrade.

"The painted word", Tom Wolfe, 1975.É fato que esses manifestos foram vazados por poetas & Cia. E será justo cobrar o mesmo pendor para o verbo de músicos, artistas plásticos e arquitetos? Será que para ser vanguarda mais vale um bom texto explanatório, é imperioso um manifesto? Pelas reclamações, tudo indica que sim. Como nos assegura Tom Wolfe em The painted word (1975), as artes visuais no século vinte deixaram de valer em si para meramente ilustrar discursos teóricos: pintura que se respeita vem com bula…

Deixemos de lado esses preciosismos; afinal, são querelas de literatos, afeitos a disputas de ideias e hábeis com as palavras. Além do que, não temos que concordar com a autoanálise que se autoinflige Mario de Andrade. O que nos impede de nos beneficiarmos de um olhar revisionista, quiçá pós-moderno? Por que acusar a inexistência de um manifesto textual, quando o que foi oferecido em 1922 foi um magnífico manifesto performático, se menos literal, bem mais efetivo na transmissão da sua mensagem.

Aproveitando para citar mais uma vez um participante da Semana patrulheiramente expurgado de sua hagiografia devido a seu perfil político conservador, uma descrição de Menotti nos autoriza contrapor palavras e imagens:

Três noites memoráveis num ambiente elétrico: a primeira de calma e de ânsia, capitaneada por Graça Aranha. A segunda, catastrófica: eu a liderei apresentando a turma dos escritores novos – Oswald, Mario de Andrade, Raul Bopp, Manoel Bandeira, Ronald, Ribeiro Couto e outros mais. Foi uma noite de uivos, de vaias, um inferno! Por fim coube a Ronald aguentar a plateia já descalmada, numa terceira noite espantosa, na qual só faltaram linchamentos. Mario de Andrade falou sobre musica moderna: Villa-Lobos era o corifeu…

Ao lado de toda retórica, a documentação plástica da revolução em marcha: a escultura de Brecheret, projetos de Moya, pintura da Malfatti. O “hall” do grande Teatro parecia um pátio de milagres: quadros incríveis dependurados nas paredes e troços mutilados, figuras aos pedaços em cima dos socos. E o povo a urrar, a vociferar, a injuriar… Verdadeira Semana do Terror.31

Coitada da arquitetura da Semana, coitado do Przyrembel, coitado do Moya

A Semana é um sem-fim, ela faz presença em teses, livros, artigos e mais artigos, além de comentada quando nem é o caso. Recente, de 2013, é o artigo de Luís Augusto Fischer, “Reféns da modernistolatria”. Lançando com finesse um olhar instigante sobre a velha senhora (o que é coisa rara), o autor pede um pouco mais de comedimento com o tal “espólio modernista paulista”, uma vez que,

depois de estabilizada como Fato Incontornável, a Semana de Arte Moderna paulista pode tudo. Inclusive acumular méritos que não lhe são próprios… E toda aquela novidade gritante, no plano dos enunciados artísticos, passou a ser mastigada, incansavelmente, no cotidiano escolar de todas as salas de aula Brasil afora, pelos manuais de ensino preparados já pela visão modernistocêntrica.

Fechado este abraço que a força histórica comandada por São Paulo ia dando, nada restou fora de seu alcance: o modernismo, aquele exclusivamente ligado à Semana de 22 segundo a depuração que podemos chamar, sem maior rigor, de tropicalista (que excluiu os Menotti del Picchia e os Graça Aranha do cenário), o modernismo agora era a lente certa e única para ler tudo, do começo ao fim: da formação colonial, agora ressubmetida a avaliação, até o futuro, que já tinha sido alcançado e era, então, mera decorrência do que já estaria, para sempre, previsto e mesmo desempenhado pelos mártires do novo panteão. O mundo da invenção estética brasileira passou a viver essa aporia conceitual – tudo que vale é modernista, sendo que o modernismo ao mesmo tempo já aconteceu e é a coisa mais moderna que se pode conceber –, aporia cuja figuração banal aparece nos livros escolares e na crítica trivial com a patética sequência de termos pré-modernismo>modernismo>pós-modernismo, tomados como capazes de descrever tudo que o século XX (o XXI também, claro) já produzira, produzia e viria ainda a produzir. Essa aporia foi plenamente aceita e até naturalizada: todas as tentativas de invenção, em todos os campos, daí por diante, seriam quando muito atualizações de propostas ou de ações ou de desejos já plenamente configurados ou em Mário ou em Oswald. Fora disso, tudo era regressivo, conservador, caipira, regionalista, qualquer coisa assim de péssimo.32

Concordo, meu caro Luís Augusto, nada mais justo, porém não adianta chiar! Até a revista i., do requintado Shopping Iguatemi, traz, obviamente em um ano final 2, número dedicado à Semana. Um desses anacronismos que pululam no seu mapa astral, o artigo denominado “Tupi or not Tupi”33 – manjadíssimo trocadilho do “Manifesto Antropofágico”,34 que veio à luz, como sabem todos, em Piratininga, no Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha, ou seja, seis anos depois da Semana – informa os incautos que a Semana é muito bem recebida pelos “amantes da estética vintage.”

"revista i", edição 47, 2012."Prefácio interessantíssimo", Patrícia Favalle.

Em mais uma indesculpável digressão, vale apontar que nas últimas décadas vem crescendo a atenção dada à dupla Tarsila & Oswald, isto apesar da conturbada separação. Pelas mãos de seus cultores, esses dois personagens vêm de mansinho abocanhando a Semana, ela que lá nem estava, ele que, ao que parece, não desempenhou papel tão destacado assim, tendo sido mais agent provocateur do que protagonista. E, à medida que crescem seus papéis, vai saindo de cena o descartável Menotti, e até mesmo Mario perde a realeza.

Entre páginas e mais páginas de bolsas de grife, perfumes de grife, homens e mulheres de grife, pomadas e sabonetes de grife, diamantes de grife e o escambau de grife, em meio ao requinte da parafernália do consumo do establishment, noventa anos depois brilha domesticada a Semana. A Semana é vintage! Aliás, a Tropicália também é vintage. E a quatrocentona São Paulo, então, mais vintage impossível…

A música e os músicos da Semana, a poesia e os poetas da Semana, a pintura e os pintores da Semana, a escultura e os escultores da Semana, todas e todos aclamados, todas e todos esteticamente corretos. Repetindo o dito de Luis Augusto: “tudo que vale é modernista, sendo que o modernismo ao mesmo tempo já aconteceu e é a coisa mais moderna que se pode conceber.”

A gente escreve o que ouve – nunca o que houve.

Só a arquitetura da Semana e seus arquitetos – Georg Przyrembel (1885-1956) e Antonio Garcia Moya – é que não emplacaram.

E por que não? É justamente para esta pergunta, quando feita aqui no mundinho arquitetônico, que não tenho encontrado boas respostas. Como já deu para perceber, mal se fala da arquitetura da Semana. Aliás, nem se falava dela até princípios da década de sessenta, esquecida, por exemplo, em Duas arquiteturas no Brasil (1961), de Benjamin de Carvalho. E quando se falava, era para recorrentemente taxá-la de inexpressiva, se não de equivocada.

Flavio de Aquino e Paulo Santos

O primeiro que encontrei que se refere à sua presença na Semana é Flavio de Aquino (1919-1987). Em “Os primórdios do modernismo no Brasil” (1961), com certeza tendo o Antecedentes da Semana de Arte Moderna (1958), do Mario da Silva Brito, como principal fonte impressa, o autor faz uma breve revisão do que aconteceu da exposição de Anita em 1917 ao “estrondo violento” da Semana. Inaugurando a versão que se tornaria lugar-comum, Moya é apresentado já lastimavelmente descontextualizado; Przyrembel, este nem é digno de menção:

Em realidade, a renovação era mais sentida e praticada no campo da literatura que nos das artes plásticas. Serve de exemplo o fato de que um dos componentes da Semana de 22, o arquiteto Antonio Moya projetava edifícios em estilo neomanuelino.35

Que Moya tenha realizado casas em estilos variados, isso é inegável, ainda que eu não tenha encontrado nenhuma “neomanuelina” propriamente. Paradigmático do gótico português – o chamado estilo manuelino – é o Mosteiro de Belém, mas Moya era mais afeito a um gótico de sabor italiano, como aquele que empregou na Residência João Miguel Sanches, à avenida Paulista, infelizmente já demolida.36

"Noticia Historica e Descriptiva do Mosteiro de Belem", Francisco Adolfo de Varnhagen, 1842.

Residência João Miguel Sanches, Moya & Malfatti, 1942.

Residência João Miguel Sanches, Moya & Malfatti, 1942.

"Quatro séculos de arquitetura", Paulo F. Santos, 1977.Mesmo assim, independente de tê-lo feito bem depois de 1922, esse fato em nada diminui sua competência – uma vez que são projetos de elevada qualidade – e em nada detrata dos projetos que constituíram sua presença na Semana.

Poucos anos depois é a vez das palavras bem típicas de Paulo Santos (1904-1988) em “400 anos de arquitetura” (1965). Apesar da cabal ausência de fontes, e além da queixa de sempre quanto à falta de uma agenda (já sabemos, de um manifesto), a coitada da arquitetura mereceu apenas um “quase” presente:

O surto Moderno… só adquiriu o sentido de um Movimento com a Semana de Arte Moderna…

O Movimento – de que a arquitetura esteve praticamente ausente (ou quase) – germinou nos salões paulistas e teve expressão predominantemente literária. Vago, impreciso, não tinha programa, não defendia uma tese.37

Mais adiante, radicaliza na apreciação, deixando-a deterministicamente sem importância. Para variar, note-se a inclusão da Tarsila, ainda que com a devida ressalva:

Se a pintura e a escultura modernas no Brasil tiveram nos artistas da Semana – Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Brecheret, depois Tarsila (de algum modo ligada à equipe da Semana) – os iniciadores de um movimento de renovação, a arquitetura moderna do Brasil, melhor: a arquitetura contemporânea do Brasil deixa à margem a Semana ou ignora a Semana, filiando-se diretamente à Le Corbusier.38

Este trecho bem exemplifica a construção, em andamento desde a década de trinta no Rio de Janeiro, da mui conveniente distinção entre “arquitetura moderna” e “arquitetura contemporânea” em resposta a críticas de diferentes matizes entorno da cansativa dicotomia “nacional vs internacional”.

No mais é silêncio… Até que Antonio Garcia Moya ressurge. E ressurge classificado, rotulado, (des)qualificado e quantificado, para sempre “selado, registrado, carimbado” como personagem irrelevante, sequer um coadjuvante no enredo central da história da arte brasileira.

Yves Bruand

"Arquitetura contemporânea no Brasil", Yves Bruand, 1981.Um dos primeiros que contribuiu para tal parece ter sido Yves Bruand, quem deve ter repetido – na minha opinião e inadvertidamente – algum julgamento que lhe foi transmitido por estas plagas.39 Se assim se passou, isso deve ter ocorrido durante sua estadia como professor na Universidade de São Paulo entre 1960 e 1969,40 período em que levou a cabo as pesquisas que redundariam em sua magistral – e no geral acurada – tese de doutorado L’architecture contemporaine au Brésil (1973).41

Não encontro outra explicação, uma vez que sobre a Semana e sobre Moya, Bruand dá uma única fonte. E esta, como sempre, o elogioso Antecedentes da Semana de Arte Moderna. Até os textos dos Andrade e de Menotti que cita vêm daquele livro…

Para deixar bem claro o que vai se passar, considere-se o que diz nosso informante de sempre, Mario da Silva Brito:

Mas, outros fatos, dignos de registro, ocorrem em 1921, que é ano rico de acontecimentos. Fatos que aceleram a evolução do movimento e o levam a culminar na Semana de Arte Moderna.

O grupo modernista já está constituído, por esse tempo, em sua quase totalidade. Não só praticamente constituído, como também subdividido de acordo com as vocações de seus diversos componentes. Poetas são Mario de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Agenor Barbosa e Plínio Salgado. Menotti e Oswald de Andrade são romancistas. Na crítica, sustentando a polêmica, estão Mario de Andrade, Oswald, Menotti, Cândido Motta Filho e, com menor desempenho, Sergio Milliet. A pintura conta com Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro e John Graz, já sagrados nas batalhas antiacadêmicas e feridos pela crítica conservadora. A escultura apresenta um grande nome: Victor Brecheret. Armando Pamplona, interessado em cinema, acompanha o grupo, e está, quase sempre, ao lado de Menotti del Picchia. Nesse ano, é descoberto um arquiteto “bizarro, original, cheio de talento, sonhando e realizando coisas enormes”: Antonio Moya

Estão aí citados alguns dos “Dragões do Centenário”, como Mario de Andrade chamava aos integrantes das hostes modernistas. Mais alguns nomes, acrescentados a estes, comporão o grupo que vai aparecer no saguão e no palco do Municipal durante a Semana de Arte Moderna.42

E atente-se no que isso vai dar. Inicialmente, Bruand destaca a relevância do neocolonial como vestíbulo da modernidade:

Esse movimento [o estilo neocolonial] foi na realidade a primeira manifestação de uma tomada de consciência, por parte dos brasileiros, das possibilidades do seu país e da sua originalidade. Já assinalamos anteriormente [p. 25 e ss.] a importância desse fenômeno sem o qual a arquitetura brasileira não seria hoje o que é.43

No que segue o entendimento de Paulo Santos:

Nem pelo que tinha de negativo deixou o Neo-Colonial de ter a sua significação – e não apenas como expressão da sensibilidade romântica da época, mas como fato positivo, já que teria paradoxalmente influído no próprio movimento dito Moderno e para a criação de condições propícias ao estudo de questões de raça, costumes, economia e vida social e artística do nosso povo.44

E não aquele de Lucio Costa, para quem o neocolonial – em sua ótica de 1951, depois de tê-lo praticado por boa parte da década de vinte – nada mais era do que

o artificioso revivescimento formal do nosso próprio passado, donde resultou mais um “pseudo-estilo”45

"Por uma história não moderna da arquitetura brasileira", Marcelo Puppi, 1998.Conforme bem sintetiza Marcelo Puppi:

O capítulo de Bruand dedicado às três primeiras décadas do século é em grande parte uma superposição de ideias retiradas de Lucio Costa e de Paulo Santos, adaptando-as a seus propósitos. Do autor de Documentação necessária [Costa], ele retém sobretudo… o panorama de conjunto da arquitetura brasileira esboçado neste texto e a consequente desvalorização do “decorativismo” eclético. Do autor de Quatro séculos de arquitetura [Santos], ele absorve, principalmente, a simpatia pelo neocolonial (bem como a defesa da influência do movimento sobre a arquitetura moderna)…46

Bruand ressalta, inclusive, a contribuição do substrato modernista paulistano:

Assim como evidentemente os estilos históricos não desaparecem de um momento para o outro, o movimento “moderno” não surgiu repentinamente. Por mais que assim possa parecer, ele é no entanto resultado da evolução do pensamento de alguns grupos intelectuais brasileiros, especialmente paulistas, evolução esta que criou um mínimo de condições favoráveis…47

Contudo, quando aborda de fato a Semana, não se contém e retoma a batida cantilena, ecoando Mario de Andrade:

Na realidade, seus participantes não tinham nenhum programa coerente. O denominador comum era sobretudo de natureza negativista e demolidora: a ruptura com o passado e a independência cultural frente à Europa… eram os dois pontos fundamentais, de uma clareza por sinal ilusória…

A prova mais evidente da falta de coerência da Semana, enquanto conjunto de propostas de vanguarda, estava na sessão consagrada à arquitetura. Os organizadores contavam com grande número de literatos, quatro pintores (Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro e o suíço John Graz), um escultor (Brecheret), um compositor (Villa-Lobos): era também necessário um arquiteto para que a exposição fosse completa48

Ignorando Przyrembel como fez Flavio de Aquino, no mesmo fôlego, extrapola:

Recorreram, então, a um espanhol radicado em São Paulo, Antonio Garcia Moya, autor de casas inspiradas na tradição mourisca espanhola, que, em suas horas livres, colocava no papel desenhos de uma arquitetura visionária que agradava aos futuristas por sua fisionomia extravagante. Nada de válido poderia daí resultar e torna-se difícil caracterizar melhor a diferença entre o caráter puramente especulativo e gratuito dos projetos visionários, fortemente marcados por um cunho passadista e as necessidades concretas, que o arquiteto jamais pode abandonar… Portanto, de um ponto de vista objetivo [sic], não exerceu a Semana de Arte Moderna qualquer influência direta sobre a arquitetura.

Do nada, sem documentação e iconografia de apoio, sem sequer provas do crime estava passada a sentença: Moya se esgueirando sorrateiro pelo Teatro Municipal, estrangeiríssimo, conhecedor da arquitetura mourisca talvez por ter nascido na Espanha e tê-la incorporado via algum jungiano inconsciente coletivo, extravagante e meramente especulativo e gratuito, por conseguinte sem fundamento na realidade, além de – horribile dictu – passadista. Desfeito o mistério sobre quem o havia qualificado de visionário, descobrimos também que é um diletante, trabalha nas horas livres…

Fica no ar a pergunta: afinal, o que fazia nas demais horas, qual seu real metier, como ganhava a vida o tal forasteiro?

O tom empregado, bastante distante do comedimento habitual de Yves Bruand, reforça a sugestão de que fora influenciado por algum de seus interlocutores, muito provavelmente um paulista. Curiosamente, muitos anos depois, em depoimento sobre Lucio Costa, descreve-o em termos muitos semelhantes, no entanto agora com empatia:

Sua modéstia me impressionara igualmente; ele apresentava-se um pouco como um arquiteto que trabalhava somente em suas horas vagas, por prazer, quando suas funções no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) lhe permitiam. 49

Testemunhamos nessas duas passagens a aura de prestígio – ou seu indeferimento – em gestação.


Leia também:

Antonio Garcia Moya, um arquiteto da Semana de 22:

Parte 1 ou pro Mario, o Moya era moderno…
por Sylvia Ficher

1922: quando o moderno não era um estilo, e sim vários
Editorial
por Danilo Matoso Macedo


Notas

* Neste segundo tempo contei, além dos já citados Danilo Macedo e Eduardo Rossetti, com informações de Aracy Amaral, Paulo Emílio Vanzolini, Sophia Silva Telles e Thomaz Simões. Andrey Schlee foi um leitor cheio de sugestões.

  1. Em Ilustração Brasileira, ano VIII, no 4, dez. 1920; apud Telê Ancona Lopez (org.), De São Paulo: cinco crônicas de Mário de Andrade, 1920-1921, 2004, p. 81.
  2. Mário da Silva Brito, Notas para a história do modernismo brasileiro, Anhembi, no 40, mar. 1954 e ss., até no 51, fev. 1955.
  3. Apud Maria Eugenia Boaventura (org.), 22 por 22, a Semana de Arte Moderna…, 2008, pp. 399-400, pp. 417-18 e pp. 421-22, respectivamente, os dois últimos incluídos apenas em português.
  4. Em Lumière, Anvers, ano III, no 7, 15 abr. 1922; apud Boaventura, op. cit., 2008, p. 129-34, igualmente apenas em português.
  5. Menotti del Picchia, 1922-1932: A revolta dos intelectuais, Folha da Manhã, 15 jan. 1932, apud Jácomo Mandatto, Menotti del Picchia, a “Semana” revolucionária, 1992, p. 27.
  6. Menotti del Picchia, A “Semana” revolucionária, A Gazeta, 9 fev. 1952, apud Mandatto, p. 33.
  7. Philip L. Goodwin, Brazil builds: architecture new and old 1652-1942, ou Construção brasileira: arquitetura moderna e antiga 1652-1942, 1943.
  8. Lourival Gomes Machado, Retrato da arte moderna do Brasil, 1947, p. 81.
  9. Idem, ibidem.
  10. Lucio Costa, Carta-depoimento, O Jornal, 20 fev. 1948; republicado in Lucio Costa, Sobre arquitetura, 1962, pp. 123-24.
  11. Lucio Costa, Muita construção, alguma arquitetura e um milagre, Correio da Manhã, Caderno Urbanismo e Construções, pp. 1, 9 e 15, 15 jun. 1951; republicado em 1952 como Vol. 5 d’Os Cadernos de Cultura sob o título Arquitetura brasileira, aqui citado (pp. 29-30).
  12. Mario Barata, A arquitetura brasileira dos séculos XIX e XX, p. 11, separata de Aspectos da formação e evolução do Brasil, 1952.
  13. Idem, ibidem.
  14. Henrique Mindlin, L’architecture moderne au Brésil, 1956, p. 4. Publicado no mesmo ano em inglês, no ano seguinte, em alemão, e apenas em 1999 em português.
  15. Esses textos são facilmente encontrados; aqui a fonte foi Gilberto Mendonça Teles, Vanguarda européia e modernismo brasileiro, 2012 (20ª ed. ampliada; 1ª ed., 1972), pp. 409-16 e 417-24 respectivamente.
  16. Idem, pp. 411-12.
  17. Em História da inteligência brasileira (1915-1933), v. 6, 1978, pp. 239-40.
  18. Mendonça Teles, op. cit., p. 413.
  19. Idem, pp. 418-19 e 422; grifo meu.
  20. Martins, op. cit., p. 28.
  21. Periódico editado de maio de 1922 a janeiro de 1923 pelos literatos de sempre – Mario, Menotti, Oswald, além de Manoel Bandeira (1886-1968), Guilherme de Almeida (1890-1969), Sérgio Milliet e alguns amigos suíços deste último (Lisbeth Rebollo Gonçalves, Sérgio Milliet, crítico de arte, 1992, pp. 24-25). Para o n. 1, http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01005510; série incompleta disponível em http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/62.
  22. Martins, op. cit., p. 277.
  23. In Mario de Andrade, Aspectos da literatura brasileira, 1972, pp. 240-41.
  24. Idem, p. 242.
  25. Emiliano di Cavalcanti, Viagem da minha vida I – o testamento da alvorada, 1955, p. 120.
  26. In Ronaldo Brito, Experiência crítica, 2005, p. 135; grifo meu.
  27. Aracy Amaral, Tarsila, sua obra e seu tempo, 1975, v. 1, p. 46.
  28. Novamente, a fonte é Mendonça Teles, op. cit. Para o “Programa do Centro Regionalista” é aconselhável consultar o texto integral conforme apresentado por Freyre em 1951 e publicado em 1955 já com o título de Manifesto regionalista de 1926.
  29. Martins, op. cit., p. 156: “Vemos que havia numerosas moradas no mundo do nacionalismo.”
  30. Menotti del Picchia, Como aconteceu a Semana de Arte Moderna, artigo sem data transcrito em Mandatto, op. cit., p. 67.
  31. Luís Augusto Fischer, Reféns da modernistolatria, Piauí, no 80, pp. 60-63, maio 2013; http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-80/questoes-de-literatura-cultura/refens-da-modernistolatria
  32. Paula Queiroz, Tupi or not Tupi, revista i, edição 47, pp. 160-63, 2012.
  33. Oswald de Andrade, Manifesto antropófago, Revista de Antropofagia, ano I, no 1, maio 1928. Pode ser encontrado, como de hábito, in Mendonça Teles, op. cit., pp. 497-506, e http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/060013-01.
  34. Flavio de Aquino, Os primórdios do modernismo no Brasil, Módulo, no 22, pp. 32-34, abr. 1961; republicado in Alberto Xavier (org.), Depoimento de uma geração, 1987, aqui citado, pp. 10-13.
  35. Moya & Malfatti, Acrópole, no 49, p. 25-28, maio 1942.
  36. Paulo F. Santos, 400 anos de arquitetura, in Universidade do Brasil, Quatro séculos de cultura, 1966. Aqui citada a edição em livro: Quatro séculos de arquitetura, 1977, p. 104.
  37. Idem, p. 106.
  38. No momento estou à caça de quem poderia ter sido este informante. Entretanto minhas suspeitas ainda não foram suficiente comprovadas, razão pela qual me calo. Mas aceito sugestões!!
  39. Yves Bruand, Lucio Costa: o homem e a obra, in Ana Luiza Nobre et alii, Um modo de ser moderno: Lucio Costa e a crítica contemporânea, 2004, p. 13.
  40. Em Por uma história não moderna da arquitetura brasileira (1998), Marcelo Puppi expressa opinião algo semelhante: “Bruand apresenta de fato ao leitor um útil manual sobre a história da arquitetura contemporânea no Brasil, sem similar nacional e até agora insuperado” (p. 100).
  41. Mario da Silva Brito, Antecedentes da Semana de Arte Moderna, 1958, pp. 278-79; grifo meu.
  42. Yves Bruand, Arquitetura contemporânea no Brasil, 1981, p. 52.
  43. Paulo F. Santos, op. cit., 1977, p. 104.
  44. Lucio Costa, op. cit., 1952, p. 22.
  45. Puppi, op.cit., p. 107.
  46. Bruand, op. cit., 1981, esta citação e seguintes: pp. 61-63, grifos meus.
  47. Há, na nota (14) que consta neste trecho do texto de Bruand um equívoco menor, fruto talvez até da tradução: nela consta referência a artigo de Menotti que teria revelado Moya ao “grande público”, dando sua data como 20 de julho de 1927, quando o ano correto é 1921.
  48. Bruand, op. cit., 2004, p. 13.

Sylvia Ficher
Doutora em história pela FFLC/USP, com pós-doutorado em sociologia na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris), e professora da FAU/UnB. É autora de Arquitetura Moderna Brasileira (1982), com Marlene Milan Acayaba; GuiArquitetura de Brasília (2000), com Geraldo Nogueira Batista; Os Arquitetos da Poli (2005), agraciado com o Prêmio Clio, da Academia Paulistana de História; e Guia de obras de Oscar Niemeyer: Brasília 50 anos (2010), com Andrey Schlee. sficher@unb.br


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